"1. Deve tentar-se o improvável. Escolher, por vezes, o mais difícil. Para que haja fasquias, para que haja horizonte. Replicar é olhar para a parede, ficar fechado no intervalo entre a vida e a morte. Eu prefiro procurar-me no que nunca alguém encontrou. Quando desistir de olhar para o que não existe deixei de existir: anotem aí isso, por favor.
2. Há no mundo um conflito constante, e é também ele que opera a mudança. O que já foi e o que é têm uma dificuldade natural para lidar com o que vai ser. É muitas vezes do choque que nasce a salvação, por mais chocante que possa ser. A inteligência tem várias faces, mas nenhuma delas é violenta. O incomportável exige que nos saibamos comportar. O problema nunca é o tamanho do que vivemos, mas sim a nossa incapacidade de nos alargarmos para o deixarmos entrar. São muitos os que vivem vidas felizes e tão poucos os que, nelas, conseguem encontrar a felicidade.
3. A infância é um brinquedo frágil. Será por isso que todos a partem bem cedo, como se fosse impossível impedi-la de se estilhaçar com o tempo. Só depois, mais tarde, quando a meta está à vista, é que muitos a procuram de novo e tentam, caco a caco, juntar o que a seriedade estéril dos adultos devastou. É essencial brincar com a dor. A melancolia resiste a tudo menos a uma piada. Quantas já fizeste hoje?
4. A razão, e sobretudo a sua busca, é a imbecilidade suprema. Como a verdade, por exemplo. Todas as formas de poder são, no limite, pesos que ninguém deveria querer carregar. Há uns quantos idiotas que pensam que quanto maior é o poder maior é a liberdade. Que mentira, meu Deus. O mais livre é o que procura saber mais de tudo sem querer saber mais do que ninguém. A liberdade exige um conhecimento tão grande que se sabe pequeno, minúsculo, perante o que à sua volta existe. A humildade requer uma sapiência imensa, e dá trabalho. Quem manda no mundo sabe quase nada dele.
5. Ocupo-te como Dylan ocupa o poema: visito a superfície, calado, e depois interno-me inteiro no que não tem definição. A literatura ou é isso, o que não tem definição, ou é outra coisa qualquer, no máximo uma repetição de fórmulas que outros testaram e comprovaram. Há sempre os desgraçados que se agarram à praia, jovens e velhos de um Restelo qualquer, que lêem e escrevem como se ler e escrever fossem processos racionais, que pobreza. Abre-se um livro como se abre um beijo, como se abrem os braços ou as lágrimas. Escreve-se com sangue, com veias, nunca com letras, ou então não se escreve coisa nenhuma. É assim que te procuro, sem tentar que haja qualquer validação, qualquer sentido maior do que esse: o de te procurar. É também assim que se escreve o poema: à procura de inexplicações. É a poesia a melhor forma de procurar, e já agora de te amar, se me permites.
6. Morre-se muito da morte, lamento; mas morre-se mais ainda da ausência de um motivo para viver. A preocupação não deve ser o preocupante; antes, isso sim, a ausência de preocupações. Estar vivo é estar, de um certo ponto de vista, preocupado. Preocupa-nos o que nos envolve, e é precisamente isso que nos mantém alertas - eufemismo clássico para vivos. Cansam-me os dias em que não acabo cansado, que terei deixado por fazer? Pelas ruas o que dói é a carência de sonhos, os olhos ocos, uma espécie de silêncio hipócrita, uma cicuta lenta no interior dos passos. Que nunca ninguém morra sem motivo, disso se ocupa a ciência; que ninguém viva sem motivo, que disso se ocupe o amor. E nós.
7. Gosto de questionar tudo. Mas porquê?"
beijos e carinho, bell