“A estrela do entardecer deve estar morrendo e irradiando sua pálida cintilância sobre a pradaria, reluzindo pela última vez antes da chegada da noite completa, que abençoa a terra, escurece todos os rios, recobre os picos e oculta a última praia, e ninguém, ninguém sabe o que vai acontecer a qualquer pessoa, além dos desamparados andrajos da velhice. Penso então em Dean Moriarty, penso no velho Dean Moriarty, o pai que jamais encontramos, penso em Dean Moriarty.”
Assim termina o clássico On the road, de Jack Kerouac. É um dos finais mais emocionantes da literatura. Dean Moriarty é o personagem dionisíaco do livro. Sou completamente apaixonado por ele. Representa a transgressão, o alívio em poder permitir-se ficar alheio às imposições externas, aquele pequeno momento de libertação em que podemos nos encontrar com nossa vontade mais íntima. Estamos aqui bebendo uísque, fumando cigarros e ouvindo um bom jazz, tocado por essa maravilhosa gente de pele mais escura, que é quem realmente sabe fazer música. Amanhã pensamos no resto.
Às vezes, sou criticado por deixar transparecer em excesso meu “espírito animal” nos textos. “Felipe, não precisa dessa agressividade toda. Vocês já passaram dessa fase. Já podem agora maneirar o tom.”
Rebato com Nassim Taleb (sim, sempre ele): se você vê uma fraude e não a denúncia, você é a própria fraude. A questão a seguir, obviamente, não é caso de fraude, mas preserva o espírito da coisa.
Eu respeito a BCA. Eles, assim como nós, são independentes e, arrisco dizer, foram fonte de inspiração para a fundação da Empiricus lá atrás. Mais do que isso, são bastante técnicos, bons analistas e bem diligentes. Para completar, estão prestes a fazer um evento poderoso com Larry Summers, Joaquim Levy e Paul Volcker – vai que eu consigo um convite….
Mas não posso deixar de comentar seu mais recente relatório sobre o Brasil, de título “O fim da lua de mel”, em que criticam o ambiente político local, as dificuldades de se fazer o ajuste fiscal e o valuation supostamente esticado de nossas ações.
Se acabou a lua de mel entre o mercado de capitais e o governo Temer, ótimo. Isso é uma maravilha. O que é a lua de mel? Um momento em Pasárgada, alheio aos problemas do dia a dia, em que duas pessoas se trancam dentro de um quarto de hotel para viver ensimesmados como se nada mais houvesse no mundo. Seus 20 dias de férias após o casamento lhe permitem inferir como serão seus próximos anos ao lado daquela pessoa?
O mercado não pode viver de ilusões com o governo Temer. Ele, assim como todos nós, tem suas ambiguidades, seus vícios e virtudes, idas e vindas, mazelas e conquistas. Importa o saldo. A capacidade de articulação. A tendência macro, em que pesem pequenos tropeços no meio do caminho, que refletem, em termos pragmáticos, a dureza da realidade.
Não há como não ceder a certos aspectos em meio à interinidade. Embora, aparentemente, haja votos muito além do necessários em prol do impeachment definitivo, todos nós conhecemos a fluidez da ética dos senhores senadores. Sua grande convicção no voto flutua ao sabor de indicações para esta ou aquela estatal. Vão os anéis, ficam os dedos. O teste mesmo será a votação da PEC do teto de gastos.
Mais ainda, talvez haja até um caráter positivo das concessões de Temer na negociação da dívida com estados, o de despertar os tucanos para cobrar uma postura mais rígida na direção do ajuste fiscal. Eu jamais imaginei que “tucanos” e “mais rígida” poderiam caber num mesmo parágrafo, mas a realidade insiste em ser mais criativa do que a imaginação.
Ótimo que acabou a lua de mel. Estamos de volta à realidade e ela é muito melhor hoje do que todos podiam supor há seis meses.