Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir.
Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil.
Diz Alberto Caeiro que... Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Filosofia é um monte de ideias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas.
Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.
Parafraseio o Alberto Caeiro:
Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito.
É preciso também que haja silêncio dentro da alma.
Daí a dificuldade:
A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor...
Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer.
Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração... E precisasse ser
complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade.
No fundo, somos os mais bonitos... Pensamentos que ele julgava essenciais são-me estranhos.
É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir...
São duas as possibilidades:
Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava,
eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado.
Segunda: Ouviu o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha
para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou. Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo.
O que é pior que uma bofetada.
O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou. E, assim vai a reunião.
Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro,
a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. eu comecei a ouvir.
Fernando Pessoa conhecia a experiência....
E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras... No lugar onde não há palavras.
A música acontece no silêncio. A alma é um catedral submersa.
No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos.
Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia... Que de tão linda nos faz chorar.
Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio.
Daí a importância de saber ouvir os outros: A beleza mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.
Rubem Alves