Nos descaminhos de asfalto que palmilha, Hustene empreendeu uma viagem de descoberta
do país. Diante de cada porta fechada, percebeu que o Brasil havia desistido dele e de sua
família e haviam esquecido de avisá-lo. Não é uma vaga de emprego que lhe negam, é um
lugar no projeto da nação. "O que mais me dói é que não consigo emprego por exigência de estudo.
Aí não vou poder continuar dando estudo para os filhos. Vão ficar pai, filhos e netos trabalhando sem
educação, no serviço que aparecer. Ficaremos todos sem escolha", desespera-se. "Eu trabalhava em
escritório, tinha datilografia e escrituração fiscal. Meus filhos iam comigo trabalhar e ficavam orgulhosos.
Agora me tornei um analfabeto, fiquei fora da informática.(...) Vou começar do zero e não estou no zero.
Não sou contra a tecnologia, mas é uma concorrência desleal. E meus filhos não têm computador. E eu
não terei o dinheiro para mandá-los para faculdade.
Eliane Brum. O homem-estatística. Época.Globo, n° 197, 25 de fevereiro de 2002, p.91