Desabafos...
sentada na sala de espera do consultório do meu dentista, conheci essa semana uma arquiteta muito bacana, enquanto esperávamos a vez, falamos sobre o calor infernal dos últimos dias, sobre séries, como as mãos irritantes do Temer nos incomodam ao vê-lo falar, papo vai, papo vem, ela me contou que havia se apaixonado pelo amigo do namorado e não sabia o que fazer: se tentava reacender o namoro, se terminava, se devia abrir o jogo com o namorado ou se devia falar primeiro com o tal amigo dele para ver se era correspondida.
Ela já me conhecia para contar esse dilema tão pessoal? Não. Onde esse papo todo aconteceu? Num dia qualquer, enquanto a gente estava sentada em um sofá , desconfortáveis no dentista, esperando a vez para a consulta,enfim...minutos depois me chamaram...
Trocamos telefones e marcamos um café depois? Também não.
E talvez por isso o papo tenha sido tão franco e sem filtros.
Na maioria das vezes, a gente entra naqueles papos mecânicos e chatinhos sobre como está o tempo quando falamos com estranhos. É a maneira encontrada para não ficar naquele silêncio constrangedor.
Mas em outras (raras) vezes a gente embarca em confissões e histórias super pessoais sem nem perceber. Quando nos damos conta, já desabafamos e revelamos um monte de coisa sobre nossas vidas.
Já aconteceu com você?
Comigo já. Lembro quando contei para um desconhecido em uma fila de espera quilométrica de uma exposição que eu estava considerando fortemente mudar de carreira. Na época era um dilema, contrariava tudo o que havia planejado e achava que queria para minha vida até um tempo atrás.
Contei para ele antes de contar para qualquer um dos meus amigos mais íntimos. E, no fim, foi ótimo: ele me deu uma super força, disse que fez a mesma coisa na vida dele uns anos atrás e contou como foi a transição.
Depois desse dia, nunca mais o vi.
Ao longo dos anos, já falei muito e também já ouvi tanto quanto. Já me confessaram medos, dilemas familiares e até traição.
Mas por que será que a gente consegue desabafar assim com estranhos?
A resposta é simples: porque nunca os veremos de novo.
Temos a sensação de que desconhecidos não vão nos julgar. E, se julgarem, dane-se também. Afinal, nunca os veremos novamente. Aí fica mais fácil compartilhar segredos, sonhos secretos e projetos ainda não rascunhados. Ficamos mais espontâneos. Igual quando viajamos para outra cidade ou país, sabe? Perdemos a vergonha de fazer um monte de coisa, afinal, “ninguém me conhece aqui mesmo”.
Além disso, estranhos não estão ligados diretamente com a situação e um olhar de fora pode ser muito bom. Eles podem enxergar a história de uma maneira diferente, com um ângulo que, por estarmos tão envolvidos, não percebemos.
Claro que não dá para sair falando tudo e não é o tempo todo que nós (e os outros) vamos dar abertura para essas conversas. Mas, vez ou outra, esses momentos surgem espontaneamente.
As conversas mais marcantes podem acontecer em um avião, em um evento, em uma sala de espera ou em qualquer outro lugar inesperado. E principalmente: os melhores papos podem ser com alguém que você não verá novamente.
É inusitado, leve e libertador. Você devia experimentar um dia desses.
lendo o texto abaixo da Ita Portugal que me liguei que vivemos dias de tanto estresse e cansaço mental que desabafar é quase tão necessário que respirar...
"Cansada
Da esquina escura, o azulejo gelado, a janela com grades, a rua vazia
Do bar lotado e a casa desabitada
Da fome que chega para o homem na calçada
Do bueiro sujo e as ruas alagadas
Do restaurante lotado e o pedinte com as mãos estendidas
Da arvore devastada e os móveis brilhantes
Da criança que chora pelo abandono dos pais
Da violência gratuita que rifa inocentes
Do aprisionamento da liberdade
Do retrocesso dos direitos
Da falta de compaixão, da desumanização,
Da doutrinação ao ódio, à intolerância, ao preconceito
Do conteúdo violento, das injustiças
Dos vasilhames humanos cheios de conceitos descartáveis
Dos prontuários literários dizendo que basta a força de carpe diem para o momento oportuno
Do Maktub, traduzindo a fatalidade, para justificar a merda que está por vir.
Parece que não adianta pensar em verde, pois a terra não mais florescerá
Agora, o caos tem carta branca."
beijos e carinho, bell